William Waack, um bom profissional?

 

Por Dennis de Oliveira

 

Depois da denúncia nas redes sociais do comportamento racista do editor e apresentador do Jornal da Globo, William Waack, apareceram várias manifestações de solidariedade ao jornalista global por parte de colegas seus de profissão tanto à direita – como era esperado – mas também no campo progressista, como foi o caso do artigo de Luis Nassif.

Grosso modo, as argumentações todas se centraram na “qualidade profissional” de William Waack e que mitigaria a atitude filmada que seria, no limite, um “escorregão” ou uma “infelicidade”.

A Globo tomou rápidas providencias ao afastar o jornalista do JG. Esta atitude da Globo talvez tenha sido o principal motivo para a solidariedade dos colegas que dizem que Waack estaria sofrendo um “linchamento” nas redes.  Este tem sido o principal incômodo de alguns jornalistas: perceberem que determinadas atitudes não são mais toleradas. Esta talvez seja a maior conquista do movimento negro e de todos os movimentos contra as opressões de gênero, raça e orientação sexual. A agenda da diversidade teve como um elemento positivo a inclusão destas temáticas dentro do universo que forma o capital simbólico.

Ao afirmar que Waack é um “bom profissional” e que não mereceria este “linchamento”, os seus defensores demonstram o incômodo de que o seu capital simbólico tenha sido destruído por uma atitude (o racismo) que hegemonicamente não pertence a este universo de recursos. Luis Nassif relata experiências pessoais que sinalizam para uma pessoa que respeita o outro, mesmo que tenha posições ideológicas distintas da sua e que sua postura de jornalista crítico o obriga a ir contra a unanimidade construída(http://bit.ly/2hom86b). Demétrio Magnolli, ainda que considere que a fala de Waack seja “grosseira” e “abominável” prefere condenar o linchamento que ele associa ao “estalinismo soviético” ou a “ditadura castrista” que deseja “controlar mentes” (http://bit.ly/2AFDUu2).  Outros lembraram a qualidade de Waack de saber “pilotar aviões”. E por aí vai.

Um dos elementos do capital simbólico de que fala Pierre Bourdieu é o capital cultural. Waack exerce o seu capital simbólico demonstrando a posse deste capital cultural – e isto foi repisado pelos seus defensores. O jornalista conduziu entrevistas excelentes com Erik Hobsbawn e Zygmunt Bauman; produziu um documentário de qualidade sobre a participação da indústria bélica europeia no fomento às guerras no continente africano, tem uma larga experiência no jornalismo. Com isto, construiu um circuito de compartilhamento de informações que lhe garante uma distinção nos comportamentos sociais. Justamente o que Bordieu chama de conversão do capital cultural (repertório) em capital simbólico (prestígio), o que lhe dá uma autoridade de fala (exercida na apresentação do Jornal da Globo onde sua narrativa é mais assertiva e opinativa que do seu colega William Bonner no Jornal Nacional – inclusive com seus sorrisos irônicos que já sinalizam para posicionamentos ante certos fatos).

A revolta é que um vídeo gravado por dois jovens sem nenhum capital cultural ou simbólico e disseminado nas redes sociais gerou uma onda de protestos e revoltas por pessoas que não necessariamente fazem parte deste universo da “distinção”. Daí que os defensores de Waack utilizam palavras como “hordas”, “linchamentos” e outras que dão o sentido de uma “anomia” e “irracionalidade”, categorias estranhas a este universo da distinção. E que incomodam porque estas ações destruíram todo o capital simbólico de Waack. Notem que em todos os argumentos apresentados em defesa de Waack não há uma defesa da sua atitude – porque ela se tornou indefensável diante do avanço da agenda antirracista – mas de um desvio para outras “qualidades” de Waack que mitigariam este comportamento racista. É como se o racismo fosse admissível se for praticado por determinadas pessoas e não por outras. Em suma, uma seletividade no julgamento.

É de se pensar se a participação neste circuito “da distinção” como extrema competência e habilidade, a medida que ocorre no Brasil a partir dos privilégios raciais (os indicadores sociais mostram esta clivagem) não transforma o ato racista como um elemento integrante do que se considera, nesta ótica, um “bom profissional”. No fundo, o que incomoda em muitos é que tais atitudes racistas também estão no inconsciente deles – só que até agora não foram filmados e disseminados nas redes sociais.